terça-feira, 27 de abril de 2010

Quatro Estações

Inverno

Não voltarei a amar,dizem por aí para amar o próximo, para amar os passarinhos do jardim, eu amava-te a ti, não às borboletas, elas amam-se umas às outras, não precisam de mim,seria caricato.
O amor é faz de conta, faz o frio parecer quente, faz Janeiro parecer Junho, e ao mesmo tempo gostar de Janeiro, mas o frio é sempre frio, agora quando as minhas mãos tremerem de frio volto para junto da lareira, não quero apanhar uma constipação. O amor é como o álcool e as drogas, mas quando compramos drogas são nossas, o amor como não se vende, é sempre emprestado, e não quero que me o voltem a pedir de volta, viva o álcool e as drogas, que quando acabam se compram mais, com o amor não estamos sozinhos, mas vamos acabar sozinhos. Nem o sexo precisa de amor, não voltarei a confundir fisiologia com filosofia e que se lixe a oxitocina.
Para quê andar de mão dada, à muito que aprendi a andar sozinho, andar de mão dada na rua só para dizer ao mundo que gostava de ti, é ridículo, só o amor nos faz esquecer isso, e amar é isso mesmo, parecer sempre feliz, porque o ridículo, é feliz. A natureza nunca precisou de amor, apenas de relações de conveniência, e por nunca tentar parecer feliz, alegra-nos quando a observamos, o leão é o rei da selva, a viúva negra come o macho no final, as flores tentam ser bonitas, vivas e elegantes para atrair quantas abelhas poderem, algumas comem-nas mesmo (penso que nunca te tinha chamado planta carnívora).
Os dias parecem passar mais devagar agora, o que quer dizer que me roubavas tempo, parece que cada uma das farpas que me cravaste no coração precisa agora de tempo para cicatrizar, felizmente que estudei em fisiologia que o músculo cardíaco quando morre, apenas cicatriza e não recupera jamais, não quero voltar a ter um coração funcionante, pelo menos não para amar, o amor é a coisa mais insignificante do mundo, porque não se vê, até as estrelas que estão tão longe e que nós nunca iremos tocar, não arranjam desculpas e mostram-se todas as noites, porque em nenhuma noite todo o céu é nublado, e os cloroplastos mesmo sendo pequeninos e trapalhões não se escondem do microscópio, mas ao amor, a esse ninguém o vê.

Sabes, sinto-me como se durante tanto tempo eu tivesse sido um número inteiro, e tu a raiz quadrada que eu amava, mas tu executaste a raiz, e eu nunca mais serei um número inteiro agora, sobrevivo amparado por uma vírgula, mentiste quando disseste que seria para sempre, mentiste de cada vez que me beijaste, porque sempre que te beijava eu sabia que era para sempre, as mentiras andam sempre de mão dada com o amor, enquanto duram chama-as de certezas, quando acabam serão certezas para outros que apareçam, o amor nunca tem dúvidas, porque o amor não é cego, é estúpido.

Alegra-me, alegra-me saber que nunca saberás se algum dia chorei por ti quando ouvi a tua música preferida dar na rádio ou quando ouço aquela voz metálica a dizer as paragens do comboio , nem se passei horas apenas à espera de um telefonema teu, nunca saberás se alguma vez mudei a televisão de canal porque o filme que estava a dar me fazia pensar em ti, e se depois desliguei a televisão porque a publicidade do outro canal me fazia lembrar-te a ti a mudar um pneu, e se então abri a janela do quarto, mas logo voltei a fechá-la porque os caracóis da minha vizinha do 2º andar me faziam ter saudades dos teus, e se então finalmente adormeci, para logo depois acordar de um sonho em que eu e tu éramos duas borboletas gigantes,ou pelo menos tínhamos asas, e se quando ainda meio atordoado olhei para o relógio, era exactamente a hora a que o teu despertador costumava tocar. E nunca o saberás, não por ser a minha forma camuflada de orgulho manter-te sem saber, mas apenas porque nunca vais perguntar. Talvez minta.
Vou começar a viver amanha,

Tudo me rouba tempo,

Menos viver, amanha,

Para viver cederei o meu tempo,

Estou farto que me o roubem,

Amar rouba-me o tempo por uma fresta,

Viver é o tudo o que ainda arde,

Por ser tudo, o que resta,

Vou começar a viver amanhã, à tarde
A vida leva-me a pele e não se nota,

Tu roubas-me o tempo e ninguém vê,

Enquanto escrevo cartas que ninguém lê,

Espero que me indiques uma rota,


Não sei para onde, não quero saber,

Para quanto mais longe puder ser,

Melhor,

Enquanto caminho não penso,

Que morri,

Por o mar ser imenso,

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Transcriptase Reversa

Transcriptase Reversa

“Era noite e estávamos sozinhos numa rua que parecia deserta,olhavas-me, talvez triste, apenas triste, retirava-te decidido algo do ventre, senti um impulso no braço,as nossas línguas desenrolavam-se lentamente, sentia a tua saliva na minha boca, ia desaparecendo como se lá nunca tivesse estado, a tua língua largava calmamente a minha boca fazendo-me cócegas nos lábios ao passar, e eu incrédulo olhava-te agora sabendo que te ia beijar, e não te conhecia.”

E assim começa, ou acaba, já não sei bem no que acreditar, a história de um amor possível, entre quem não sabia amar.

“ Estávamos sentados no café, sabia que te ia beijar a seguir, mas o a seguir estava cada vez mais longe, as nossas mãos desenlaçaram-se e sentia agora um gosto amargo a café na boca, tínhamos duas chávenas de café vazias em cima da nossa mesa, e íamos tendo uma conversa meio estranha sobre uma amiga tua, que aparentemente tinha morrido apunhalada, a certa altura chamei-te Teresa, e assim fiquei a saber o teu nome, pensava que talvez tudo fosse um sonho, enquanto o café me queimava os lábios”

“Um arrepio percorria-me o corpo agora, e também os mamilos me ardiam um pouco, seguravas na mão um saco com o que me parecia ser um vestido amarelo, enquanto o ar frio da rua nos batia no rosto. Estávamos dentro de uma loja, continuavas com o saco na mão e dirigíamo-nos agora para a caixa da loja caminhando ao contrário, ao consumares a compra parecias distante, distante como nunca mulher alguma parece quando consuma, eu discutia contigo para te oferecer o vestido, o que me pareceu estranho, aliás ou estava completamente embasbacado por ti e não sabia, ou então algo de bastante estranho se passava, especialmente quando ouvi a senhora da caixa dizer vigorosamente 129 euros e 90 cêntimos, sempre fui um bocado sovina nessas coisas, o vestido amarelo cobria-te agora parcialmente o corpo enquanto te espreitava na porta do provador, não te favorecia especialmente, mas o que me saiu dos lábios foi “Nenhum tecido que te esconda a pele pode ser bonito, mas esse é o melhor de entre os razoáveis”. Desentrelaçaste a tua mão da minha e foste experimentá-lo, reparei naquele vestido escondido entre tantos outros, só para isso uma loja pode ter tantos vestidos, para se esconderem uns aos outros, peguei naquele que daqui a pouco carregarias num saco, e disse que tinhas que o experimentar, não sei porque o fiz, saíamos agora da loja, com um sorriso cúmplice e mãos entrelaçadas.”

“Estávamos sentados num daqueles baloiços de jardim, estávamos nus, sentia-me meio envergonhado e excitado, ao ver os teus contornos que desconhecia, libertos das roupas que nos fazem imaginar, fitava-te e parecias descontraída, feliz, liberta, cúmplice, como se por amor perdesses o pudor, era noite cerrada e há nossa frente apenas 3 vultos, o meu, o teu, e um outro, parecia trémulo o outro, e parecia ostentar algo como um largo chapéu que o distinguia, ondulando com a brisa da noite, mas tudo é tão igual na escuridão, beijávamo-nos incessantemente agora, mordiscava-te os lábios, os lóbulos das orelhas, os contornos dos ombros e aquela fina camada de pele que cobre as falanges dos dedos, gemíamos os dois enquanto fazia-mos amor, rebolávamos na relva enquanto o fazíamos, sentia um desejo profundo de ti, de controlar o meu corpo, as minhas palavras, a minha saliva, e sentia um ardor no peito que me fazia esquecer tudo o resto, sorrias de forma genuína e ias percorrendo o meu corpo com os lábios, paraste nos meus mamilos e trincaste-os repetidamente, havia um candeeiro no jardim, meio fraco, meio distante, mas que te iluminava timidamente a pele morena, toda ela, que a fazia contrastar com o verde da relva e o branco das margaridas que lá habitavam, era noite sim, mas tu estavas viva, tão viva, e eu também sonhava estar. Enquanto te apertava o sutiã e te vestia o top, olhavas fixamente para mim, com as faces rubras agora, e com um meio sorriso e olhar expectante, sentia-te nervosa, ansiosa, como se não tivesses a certeza de gostar o bastante de mim para o que íamos fazer, de não me conheceres o bastante não sei, ou se o que sentias por mim era correspondido, como se os sentimentos ainda pudessem importar alguma coisa, bem ou então estavas apenas nervosa por estarmos prestes a ficar nus e a fazê-lo num jardim, meio recatado e com margaridas no chão, mas sem persianas para correr ou uma porta para fechar. E agora sentados, vestidos desta vez, no mesmo baloiço que experimentaríamos nus daqui a pouco, beijei-te e disse que te amava, há nossa frente continuavam três vultos, tentava em vão olhar para trás, mas não conseguia, como se o tempo não fosse mais meu, de qualquer forma não poderia estar ali mais ninguém, por certo teríamos olhado enquanto o tempo foi nosso, e assim, recordando o daqui a pouco, rezava baixinho para gostar de ti”

“Estávamos num balão de ar quente a talvez uma centena de metros do chão, parecíamos felizes, eu estava agarrado a ti, com as mãos entrelaçadas sobre as tuas clavículas e ia-te beijando os cabelos, nunca tinha reparado neles como agora, desejava poder enrolá-los nos meus dedos e puxá-los um pouco, numa demonstração instintiva e banal que podia bem ser de amor, louvá-los um a um se para isso tivesse tempo, ou então, apenas trincá-los. Bem, mas mais que tudo isso tinha um terrível medo de alturas e o balão ia oscilando ao sabor do vento, pelo que provavelmente ia agarrado a ti para disfarçar o medo que sentia, como se, qual pássaro alado gigante, me pudesses salvar das leis da gravidade, se um dos mil devaneios que agora me passavam pela cabeça se concretizasse, sim não são só vocês que têm esse comportamento meio infantil e sem lógica aparente, só que nós normalmente recusamos admiti-lo, temos talvez vergonha do admitir, e então beijamo-vos os cabelos.Beijaste-me, enrolas-te os teus braços no meu pescoço, abriste os braços e fixaste-me o olhar, por impulso talvez, segurei-te pela cintura e fiz com que tirasses os pés da base do balão. Observávamos agora a vida em ponto pequeno lá em baixo, tinha a mão esquerda esfarrapada, e de vez em quando, uma gota de sangue parecia subir lá de baixo, de onde a vida nós apreciávamos, e era devolvida à minha mão ensanguenta e houve uma vez em que tu me seguraste na mão ensanguentada e lhe sugaste o sangue, não sei bem porquê um arrepio percorria-me a espinha, às vezes a vida parece algo demasiado pequeno para valer a pena, era assim que me sentia lá em cima, em cima de tudo o que alguma vez irei ter, sabia agora que tu eras a única que realmente importava, desejei dizer-to naquele momento, mas não disse, parecia demasiado compenetrado a olhar para baixo, como se procurasse ver alguém assim em ponto muito pequenino, por vezes os meus olhos saltavam da paisagem para ti, e dizia que te amava, lá de baixo nada me dizia nada, nada era meu, afinal, quanto mais de cima vemos, menos temos.Estávamos a perder altitude quando reparei numa casa com um jardim manchado de branco, parecias distante, acenaste afirmativamente, disse-te que seria bom irmos lá os dois juntos dar uma volta, só nós os dois, e agora que continuamos a perder altitude as manchas brancas dividem-se em minúsculas margaridas, seguro com toda a força uma das cordas do balão com as mãos, sinto-me tonto e desequilibrado, tu sorris, um solavanco, e aterrámos."

“Estamos estendidos na areia com a respiração ofegante, olhamo-nos, mas não dizemos nada, e sorrimos, desta vez, estamos vestidos, pouco vestidos,muito molhados, mas vestidos. O Sol sobe lá longe, lentamente sobre o mar, anunciando o inicio do fim da tarde, nós continuávamos deitados na areia a tremelicar de frio, meio abraçados, cúmplices, enquanto os últimos raios de Sol hesitavam em aquecer-nos,sorris e dizes que não, pergunto se te magoaste, magoo-me um pouco mas não digo nada, sinto-me a cair na areia, por um instante vejo tudo à roda. Corríamos ao contrário mar adentro, em direcção a uma onda gigante que parecia fugir de nós, e agora parados, no meio da espuma do mar, beijávamo-nos como se fosse a primeira vez, fitávamo-nos, e eu tinha vontade de te beijar de novo, saudades que tu soubesses que me ias beijar, desejo que os meus mamilos ardessem de novo, e que me voltasses a sugar o sangue da minha mão magoada, saudades de te ver misturada com as margaridas do jardim, mas os meus olhos pareciam estupidamente longe da vida, longe de ti. Levava-te em braços e ia caminhando ao contrário para fora da água do mar e já fora do mar, dizias para te largar que a água estava fria, mas não era isso que os teus olhos, e que a tua expressão diziam, só vocês conseguem fazer isso assim. O Sol continuava a subir calmamente no céu, parecendo que até ele queria por uma vez fugir da escuridão, aquecendo-nos agora a pele ainda virgem de mar, enquanto nós, sentados na areia ia-mos vendo as ondas sempre iguais que o mar traz e depois leva, como se existissem apenas para os apaixonados as verem, beijei-te o ombro aquecido pelo Sol e mordisquei-te a orelha, sorrias e olhavas-me de uma forma que eu só podia sonhar em retribuir,dizias que te fazia cócegas, coloquei-o na tua barriga desnudada, peguei talvez meio ao acaso num caranguejo bebé que parecia fugir do mar, sabia agora que estava apaixonado por ti ”

“ Brotavam-me lágrimas dos olhos, chovia torrencialmente e era noite, estava ajoelhado sobre uma mulher de tez clara que não conhecia, parecia soluçar de dor e pânico enquanto os olhos dela se abriam, e a mancha de sangue que lhe ensanguentava todo o vestido amarelo ia desaparecendo, a sua pele ia ganhando um pouco de cor à medida que o sangue e a vida lhe eram devolvidos,tentou sorrir, beijou-me os lábios, sussurrou-me ao ouvido algo como “ para quê esperar?”, um qualquer carro aproximava-se no horizonte em marcha atrás, não abrandava, vi-te a ti pela primeira vez, ias ao volante daquele carro cinzento já velho, o teu olhar estava ausente, vi o chapéu dela a voar para longe, passaste-lhe por cima, uma dor lancinante percorria-me agora o coração”

Voltavam a correr-me lágrimas pelo rosto, percebo agora que a memória só serve para me odiar, vi-te desvanecer à minha frente com a faca que te cravei no ventre, continuavas a olhar-me, apenas triste, segurei-te para não caíres no chão “para perceber tive que me apaixonar” foram as únicas palavras que te consegui dizer, sorriste, como se já nada mais valesse a pena e vi os teus olhos a fecharem, vencidos pelas próprias pálpebras, pousei-te lentamente no chão, a rua continuava deserta, e matei-me, ou pelo menos tentei, não por ela, mas por ti.