domingo, 30 de novembro de 2008

O rapaz das palavras bonitas

No longínquo mundo dos anjos, tudo é estaticamente perfeito, não há lágrimas ou sorrisos, apenas tempo, eterno tempo, onde nunca o óbvio se torna incerto, porque não há óbvio, há certezas, o amanha nada acrescenta ao hoje, apenas subtrai, subtrai um dia, ao eterno tempo que falta para acabar o eterno tempo que lhes resta. Neste longínquo mundo, tanto a dor como o amor são miragens de desejo, pois não há amor sem dor, e não há dor na perfeição.
Neste mundo habitado somente por anjos, tudo é belo, mas somente paisagem e não vida, os rios nunca galgam as margens, as flores não nascem, crescem ou morrem, simplesmente estão lá e de lá não saiem.
A única função dos anjos, é observar o nosso mundo, e desde sempre eles vêem tudo o que fazemos, apenas vêem, não censuram ou interferem, nem tão pouco interagem, vêem, e somente vêem o essencial, e o essencial sempre continua na mesma e não mudou desde os primórdios da antiguidade, manteve-se nos 10 séculos de trevas, continua agora entre nós, e não muda se somos ricos ou pobres, cultos ou incultos, loucos ou ponderados, e o essencial é a forma como olhamos os outros, e nos vemos a nós próprios ao espelho ou na água corrente e transparente de um rio.
E de tantos verem o que não vivem, desejam deixar de poder sonhar que um dia vão viver, tal é a dor de sonhar eternamente, ter por uma vez na eternidade um período limitado de tempo, durante o qual o único limite imposto à liberdade é a incapacidade humana de alguma vez ser livre.
No entanto, num dia perdido nos meandros do tempo, um dos anjos, desafiado por desígnios superiores a poder viver a vida que ousava sonhar, saiu do seu mundo e veio até ao nosso, por um mês apenas, mas nesse mês não teria o limite que sempre observara e nunca compreendera, e que nos impede a nós humanos, de sermos livres.
Chegou ao nosso mundo sob a forma de uma figura masculina que aparentava ter 20 anos e feições de eterno menino, de olhos verdes que espelhavam sonho e desejo, emoldurados por espessas sobrancelhas pretas, assim como pretos eram também os cabelos levemente encaracolados que remoinhavam ao vento, e a barba de 3 dias rebelde e desalinhada. Não tinha nome e por isso podia ser quem quisesse, não tinha compromissos pré estabelecidos, e por isso podia fazer o que quisesse, mas tinha vida, e por isso tinha tempo finito, tempo em que os dias passam, são únicos e irrepetíveis, e por não mais voltarem, cada dia que passa é sempre menos um dia na vida que resta.

Quando chegou trazia em si o desejo de finalmente ser livre, de por não se prender a nada ter sempre tudo e nunca ter saudades do que por nunca ter sido dele, nunca o deixaria, e durante 25 dias assim foi de facto. Viajou à boleia com desconhecidos, e com os mesmos desconhecidos passou horas à conversa, mergulhou no mar salgado e imprevisível, participou em bailaricos e romarias de aldeias perdidas, que por nem nos mapas da globalização existirem, seriam para sempre só de quem por lá por um instante viveu, ou uma vida passou, nessas aldeias dormiu com belas raparigas, invocando tantas vezes em vão a misteriosa palavra “amo-te”, seguindo depois sem olhar para trás, porque amo-te era apenas uma palavra misteriosa, e quando se desprendia e procurava outros desconhecidos, outros mares e aldeias perdidas, não sentia saudade ou nostalgia, pois por sempre se lembrar daqueles fragmentos de vida, eles para sempre lhe pertenceriam, e assim ele era livre, porque quando estava sozinho, não pensava no que já não voltaria a ter, mas no que sempre dele seria.
Mas à 6 dias atrás, no meio de mais uma das aldeias perdidas no mundo e ainda sem coordenadas definidas nos GPS, cruzou-se com mais um ser Humano, que seria para sempre apenas mais um ser Humano, se não fosse ela, ela, ou se não fosse ele, ele, mas ela era ela e ele era ele, e então ele desorientado e confuso por ainda sem ter percebido um dos maiores mistérios da vida humana saber o estar já a viver, fixou o olhar dela e ainda hesitante mas sabendo não poder hesitar disse…

-Olá…

-Olá…pareces perdido…

-Estava talvez desencontrado...perdido nunca estive

-Não…?

-Para estar perdido tinha que alguma vez ter sabido o que procurava, para sempre ter estado desencontrado, a solidão tem servido

-Hum…mas nunca soubeste o que procuravas?

-Não…mas agora percebo…

-Percebes o quê?

- A absoluta necessidade de por vezes desejar que um momento dure para sempre, assim como nunca se viu uma borboleta chorar por não conseguir mais voar, julgava que também para nós, a recordação do que o que um dia foi nosso, nos consolaria a saudade do que um dia já o não será, erro meu…

- Podes apaixonar-te mil vezes em Paris, mas para sempre as trocarias todas para que a primeira não tivesse acabado…

-E no entanto “we´ll always have Paris…”

-Parece-me que também já viste o Casablanca

- É o filme que apesar de não se passar em Paris, mais me faz desejar Paris…

-E que fazes por aqui? Tão longe de Paris, tão perto de nada.

-Estava de passagem, agora estou perto de ti…

-E onde estarás tu amanha?

-aqui se tu aqui estiveres ou algures acolá se para algures acolá tiveres ido

-Hum…devo então dizer-te até amanha desconhecido?…

-Deves sim…mas não agora...diz-me até amanha quando já for amanha

- É estranha a forma como falamos conhecendo-nos à tão pouco

-Hum…assim como é estranho lembrar-me que ainda não sei o teu nome

-Sim é verdade….ao começar a falar contigo passou-me a lembrança de que nunca fomos apresentados…chamo-me Joana, e tu ?

-Miguel…

“Miguel” e Joana continuaram a falar, falaram de filmes, falaram de vida, falaram de trivialidades, mas mais do que falar o olhar de um nunca largava o olhar do outro como se lessem no olhar o que as palavras em vão se esforçavam para dizer, até que…

-Será que à algo que explique o que sinto quando te olho sem te conhecer, como se por magia não fosse preciso conhecer-te para saber ter-te?

-Seria tão bom ter explicações para te dar…mas é tão melhor não as ter e apenas olhar-te…

-Olhas-me de uma forma que só estranho por não querer que pare

- Olho-te assim porque uma vez será a última que nos vamos olhar, e depois só me restará lembrar-te e imaginar como teria sido se…

-se …?

Beijo-a…

Nessa noite, quando se despediu e lhe disse até amanha, “Miguel” já sabia que não a poderia voltar a ver, porque por vezes é mais fácil despedirmo-nos para sempre, dizendo até amanha, porque hoje uma mentira magoaria o coração de Joana amanha, mas daqui a uns dias a verdade iria doer bem mais, ele que estava destinado a viver para sempre, só imaginava como o amanhã seria perfeito se não tivesse que partir, mas “se” é conjugação condicional, e conjugações condicionais não passam de pequenas palavras que dão às almas apaixonadas a esperança de mudar o mundo.
Durante essa noite “Miguel” foi então até à taberna da aldeia, onde se sentou bem ao fundo junto à lareira, e vendo o fogo consumir calmamente pedaços de madeira, roubando-lhe a cor, o carbono e a orgânica, só para que por breves fragmentos de tempo eles formassem uma belo e dinâmico equilíbrio com o fogo, aquecendo as mãos e a alma dos que estavam em redor, para depois, na inevitabilidade da chama se apagar serem esquecidos, porque ninguém quer saber das cinzas que restam, então nesse momento “Miguel” soube o que escrever antes de partir,

Joana,
Sou um viajante que conheces-te de viagem, parto daqui a umas horas, não porque tenha que partir, mas porque não consigo ficar, ontem só desejava que o dia não acabasse, mas acabou, e tenho medo de que se ficar mais um dia já não consiga partir. Se ficasse, poderia ver-te amanha e talvez ter-te para sempre, quando partir, apenas sei que não vou voltar, e que nunca te vou esquecer, serás o que poderia ter sido e não foi, assim como toda a minha vida passou sempre ao lado do que poderia ter sido, e por isso se tornou no que agora é.
Sei que não compreendes porque já não estarei contigo amanha, talvez nunca venhas a compreender, e me aches um cobarde por isso, talvez eu seja mesmo um cobarde por isso, mas se por uma vez acreditares em tudo o que ficou por dizer entre nós, então aí saberás que te amei, mesmo antes de poder amar-te,

Porque não há despedida romântica que não soe a falsidade, apenas adeus, apenas para sempre,


“Miguel” dobrou o seu pedaço de despedida em 2 partes, dirigiu-se ao balcão e calmamente pediu à taberneira para o entregar a Joana amanhã, a taberneira intrigada com a atitude e serenidade dele, perguntou-lhe de qual Joana ele estava a falar, e “Miguel” falando agora com um misto de doçura e dor que transparecia na doçura disse apenas, saberá quando a ver.
Depois saiu da taberna, e com lágrimas nos olhos mas determinação nas pernas, saiu da aldeia, não sabia para onde ia, sabia no entanto para onde nunca mais podia voltar, era noite de luar, e longe da luz das cidades o céu brilhava límpido e sem constrangimentos, então ele já longe o bastante da aldeia para não a ver quando olhava para trás, deitou-se no chão e na mais absoluta escuridão apenas olhou aquele céu, era lindo, mas para ver beleza estática e longínqua, ele tinha tido a eternidade, e tê-la-ia de novo em poucos dias, mas a beleza só vale a pena quando partilhada, porque precisamos de a partilhar com quem amamos, agora “Miguel” percebia finalmente o que nos impede de sermos livres, chama-se amor, e faz com que tudo valha a pena.
Tudo o que “Miguel” escreveu naquela taberna, junto à lareira, eram premissas de mentira, para cada mentira uma razão, para a verdade a escuridão, ele era sim um viajante, mas estava cansado de viajar, queria assentar, queria amar, não podia, restavam-lhe 5 miseráveis dias entre nós, podia ter escolhido passá-los com Joana, mas não seria justo para ela, talvez Joana pensasse para sempre que ele era um cobarde à procura de uma aventura de uma noite, “Miguel” não tinha escolha, Joana tinha, e na sua não escolha, escolheu por ela e foi embora, e depois daquela noite de lágrimas trocadas com as estrelas, nunca mais foi visto na aldeia, nunca mais ninguém o viu em sitio algum, talvez se tenha escondido do mundo até à hora da partida não sei, mas sim ele vê-nos, assim como sempre viu a vida de Joana, apenas viu, apenas vê.
Na manhã seguinte a taberneira passou pela casa de Joana e lá deixou o papel dobrada em duas partes, ela era a única Joana da aldeia,a taberneira sempre soube quem ela era, e por isso lá deixou a despedida de “Miguel” e voltou para sua Taberna, sem perguntas, sem explicações, como sempre eram as coisas naquela aldeia, quando pouco depois Joana leu aquele desengonçado pedaço de papel, e sem pensar apenas saiu e correu, procurou-o nas aldeias mais próximas ainda nesse dia, e por todo o local que conhecia nos meses seguintes, só lhe queria dizer que queria viajar com ele, que o amava e para ele não ir sem ela, na sua busca desesperada nunca ouviu sequer por uma vez falar dele, acabou sim por o achar um cobarde, é esse o poder que o tempo tem sobre um amor perdido no tempo, acaba por tornar amor em desespero, desespero em raiva, e raiva em recordação, recordação não da raiva mas do amor.
Joana voltou à aldeia, e assim como as outras raparigas da aldeia acabou por casar com um dos rapazes da aldeia, depois do casamento acabou por ir viver com seu marido para a cidade, onde ambos passaram a vida a trabalhar todo o dia fechados em escritórios , tiveram dois filhos,algum dinheiro e um bom apartamento e portanto segundo os parâmetros da sociedade de consumo pode dizer-se que foram felizes, e Joana para sempre recordou “Miguel” apenas como, o rapaz das palavras bonitas.

sábado, 15 de novembro de 2008

Diálogo entre mim e mim mesmo com traços de esquizofrenia

-Conheci uma rapariga sabias?

-E qual é o espanto por teres conhecido uma rapariga pá?

- bem …é que… eu gosto dela.

-Gostas dela como, meu?

-Não sei, apenas gosto, ela é especial…

-És tão lamechas tu…

-Talvez seja sim mas…

-Mas…?

-Mas gosto dela…

-E já lhe disseste isso a ela?

-Não tenho coragem…, mal a conheço… e além disso sabes bem que eu sou um tanto ao quanto tímido no que toca a declarações…

-Pois és, és…mas tens que me explicar como é que uma rapariga que mal conheces te faz o coração cobrar horas extra…

-Talvez seja por querer conhecê-la melhor…

-E tu tens mesmo a certeza que a queres conhecer melhor?

-Eu preciso de a conhecer melhor.

-Precisas?? Mas porquê pá?

-Como seria demasiado lamechas dizer que me abstraio do mundo a pensar nela, digo-te antes que o mundo foge de mim quando sonho com ela.

-Soa-me mas é a amor por esses lados, meu…

-Não…Por agora não, como te disse, eu mal a conheço, e podemos desejar o desconhecido, mas apenas isso, desejar…, ninguém ama as estrelas que brilham no céu, mas quase todos as desejamos;)

-Pela maneira como dizes isso até parece que nunca a vais conhecer melhor

-E talvez não mesmo, pelo menos não enquanto não tiver coragem de lhe dizer que gosto dela

- Mas nunca falas-te com ela?

-Já passei horas a falar com ela…falo como ela sobre as trivialidades do dia-a-dia, sobre os nossos gostos, sobre o que éramos no passado e desejamos para o futuro, adoro o modo como nos insultamos mutuamente com “carinhosos jogos de palavras” ou as dissertações que fazemos antes de desligar o telefone, e não consigo resistir à forma de pensar e de falar e de agir e de reagir dela.

-Bem quem te ouvir falar até pensa que essa rapariga não tem defeitos…

-Tem…claro que tem, é teimosa, orgulhosa, nunca dá o braço a torcer, é demasiado perfeccionista e arriscava dizer que por vezes é quase que convencida, mas o que eu estranho é não conseguir deixar de gostar dos defeitos dela, é como se os defeitos dela fossem meras características e ter características é bom;)

-E achas que ela ainda não topou que gostas dela?

-se percebeu não me o disse e eu não tenho coragem de perguntar…

-Devias ter…

-Será que devia?

-Claro que devias pá…

-Sei lá…por vezes soa melhor viver na incerteza de ela poder gostar de mim do que viver com a certeza da resposta dela.

-Mas provavelmente se nunca tiveres coragem de perguntar vais-te arrepender do conforto do teu silêncio.

-Sim, provavelmente,

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

matemática vs vida

Perdoem-me os amantes da matemática e da exactidão dos computadores portáteis, mas eu amo é o que não é exacto e não está previamente descoberto, amo descobrir algo de novo, pensar muito, mas ter a certeza de pouco, viajar ainda mais, saber que existem coisas inevitáveis, mas não ser condicionado por essas variáveis, confiar na memória do meu coração e não em memórias RAM e discos rígidos, perdoem-me os que fazem planos a longo prazo, como se a vida fosse uma gigantesca equação matemática da qual se conhecem previamente todas a variáveis, eu vivo cada dia com a certeza que amanha vou saber mais que hoje, mas sempre sabendo que hoje sei tudo o que preciso, sei sorrir, andar, correr, nadar, ler, dialogar, viajar, sei o quão precioso é tudo o que amo, tudo que tenho e tudo o que sei, e que apenas o que temos nos é imprescindível ter, logo, apesar de saber que amanha vou saber algo mais, que espere o amanha, que eu hoje já cansei de esperar.

Hino ao destino

O que existe e o que não existe está dentro de nós, nós decidimos o que é real, é só uma questão de acreditar.

Por isso te escrevo esta carta, para descobrir se acredito no destino, se tal coisa existir tu vais ler esta carta e por alguma razão vais ser impelida a responder, se não responderes hoje ou amanha ou um dia, é porque o destino não existe, ou pelo menos eu não vou acreditar nele, logo não será real.

Escrevo-te do meio do oceano neste pedaço de papel já gasto, a letra está tão firme e segura quanto as vagas que assolam o “O Imortal” o permitem, a garrafa que serviu de navio à minha crença no destino ainda cheira ao vinho de ontem do jantar, e se estiveres agora com ela nas mãos é porque já atravessou tantas milhas náuticas quantas se podem contar pelos dedos de mil mãos e fintou intempéries enfrentando o desconhecido, para agora a desconhecida que procurava, a segurar nas mãos.

Podes perguntar mil vezes como saberás tu se fui escrita para ti, mas ao leres-me a primeira vez terás a certeza da resposta, pois também tu duvidas do destino, mas tu, quando me tiveres a mim, pedaço de papel usado e embebido em vinho de ontem do jantar, nas tuas mãos terás, o poder de decidir o que é real.

P.S: a minha morada está no verso da folha

Diálogo de uma noite de Outono

-Amas-me?

-preciso-te

-Mas não me amas então?

- Podia dizer que te amo de forma pragmática, carnal, platónica, de todas essas formas e mais uma, ou simplesmente dizer “amo-te”, tantas são as maneiras de dizer que te amo, ao olhar para ti, mas ao invés de tudo isso, digo, preciso-te.

-E porque o fazes?

- Faço-o porque quando olho para ti, amo-te nunca me parece ser o suficiente para dizer o que sinto por ti, e a única palavra que conheço que significa mais que amo-te, é preciso-te.

- Mas como pode uma palavra que não existe, significar mais que amo-te?

- Porque enquanto amo-te significa que me acelera o coração quando estou junto de ti, preciso-te significa que me pára o coração quando estou longe de ti, porque eu vivo em ti. E não, preciso-te ainda não deu provas de que exista, mas quem é que precisa de provas do que o que sente o coração?

-hum….rendo-me, e preciso-te também, mas aquela “mais uma forma de dizer que te amo” não está incluída em preciso-te ainda… (sorriu-lhe, fixou-lhe o olhar, e trincou-lhe a orelha…)

O pai de Teresa

Pedro amava Teresa e Teresa amava Pedro. Pedro era da escumalha, Teresa era menina rica. Pedro era louco e vivia o hoje, Teresa era certinha e ansiava o futuro. São estas as premissas da segunda mais bela história de amor.

Não sei se realmente existiam amores à primeira vista, mas tudo o que nunca existiu tem uma primeira vez para existir, e sim o amor de Pedro por Teresa foi o milionésimo, ou o segundo, ou o primeiro amor à primeira vista. Ambos foram aquele bailarico de Verão, ambos se afastaram um pouco da multidão, ambos estavam sozinhos nesse momento, e os dois cruzaram o olhar um com o outro, e de imediato, não sei se por feitiço inconsequente, se por qualquer inquietude incompreensível dos meandros da complexidade de um olhar, ou se por desígnio de uma qualquer força superior do inexplorado universo à qual vulgarmente chamamos destino, os dois se apaixonaram.

Pedro e Teresa eram de diferentes extractos sociais, tinham diferentes objectivos de vida, os dois eram jovens, mas ela tinha o brilho da inocência e de mil sonhos no olhar, e ele a profundidade da loucura e a calma ânsia do mar revolto no olhar. Mas Pedro apaixonou-se por Teresa, e Teresa apaixonou-se por Pedro, mais que amor platónico, carnal ou pragmático, Pedro e Teresa amavam-se no sentido amar da palavra amar, e neste simples e primitivo sentido de amar, os sorrisos eram cartas de amor, e travar-se-iam de razões com Platão, pois como poderiam os beijos, os toques, os actos e o desejo dos actos ser acusados de macular a pureza de algo que nunca foi puro?,a pureza é substrato inorgânico que não tem por onde arder, e Pedro e Teresa caminhavam descalços sobre as brasas do coração um do outro.

Pedro tornou-se mais responsável por Teresa e Teresa mais irresponsável por Pedro, ele já não faltava às aulas de matemática para fumar e divagar e ela já faltava às aulas de Geometria para estar com ele, ele dizia que lhe doía o coração quando estava junto dela e ela respondia que lhe parava o coração quando estava longe dele, ele escrevia-lhe poesia em letras grandes na areia molhada da praia, que à noite era só deles, e ela salgava-lhe o rosto e desenhava no seu corpo figuras geométricas ou aladas com a areia molhada e depois sugava-lhe o sal, eles depois de se amarem, passavam horas nus e entrelaçados a falar sobre toda a simples complexidade da vida e sobre as certezas que sentiam ter do que ainda não tinham sentido, mas sem nada de facto dizerem, pois naquelas eternas horas, simplesmente sonhavam no olhar e no sorrisos um do outro.

Tempos passaram, e o amor que os movia se mantinha, os pais de ambos sabiam da existência deste amor, mas só Pedro e Teresa sabiam da sua grandeza, só eles viviam o inexplicável e sentiam o incompreensível. Os pais dele, pobres, humildes, ponderados e verdadeiros, consentiam a medo este amor, o pai dela, rico, poderoso, orgulhoso e acima de tudo cego pelo que julgava ser o bem maior da filha, rejeitava e desprezava a medo este amor. Apesar de a família dele temer o poder e cega crueldade do pai dela, e do pai dela temer a insignificância e a pobreza da família dele e sobretudo a escumalha que julgava Pedro ser, ainda faltava provar que o amor que habitava neles pudesse alguma vez ser desalojado.

O pai de Teresa cedo percebeu que não podia combater tal amor, mas bem sabia que por vezes o que não pode ser combatido, pode, embora não sem sofrimento e dor, ser vencido, ele podia facilmente mandar matar Pedro, mas assassino ele não era, podia enclausurar a filha em casa, mas ela continuaria a amar Pedro, podia forçar a filha a ir com ele viver para longe, para tão longe quanto o gelo é distante do sol, mas bem sabia que sua filha depressa fugiria do longínquo gelo para estar com Pedro. Então o pai de Teresa esperou, esperou tempos e tempos que ele errasse, pois de certo modo ele sabia que um dia ele iria errar, e passado tempos e tempos Pedro finalmente errou, por um momento a profunda loucura do hoje, no seu olhar brilhou, e Pedro sem pensar no amanha actuou, foi apanhado a tentar roubar um precioso colar, e foi preso, à muito que o Pai de Teresa, apesar da sua imensa fortuna, a tinha privado dos dispendiosos bens materiais a que sua filha estava habituada, no entanto ela nunca pediu ou sequer insinuou nada a Pedro, nunca mostrou qualquer rancor ou preocupação por isso, mas Pedro sabia-o e Pedro errou.

Enquanto Teresa chorava por Pedro, seu pai atacou, sugeriu-lhe sem a obrigar que se mudassem ambos para bem longe, para onde ele à muito tinha sido convidado para chefiar uma missão, mas à muito adiava a resposta, disse-lhe que era uma oportunidade, que Pedro que a amava sim, mas tinha errado, e por algum tempo iria ficar preso, e que depois de ser libertado poderia voltar a errar, ou ir atrás dela para o bem longe onde ela se encontraria, que ele não se oporia ao seu amor por ela se ele voltasse e lutasse por ela, que seria uma aventura e um teste ao mesmo tempo, que ela precisava de mudar e conhecer novos mundos, que não lhe pedia que fugisse de Pedro, mas sim que desse a si própria uma hipótese de se conhecer noutro sitio, noutras circunstâncias e com outras gentes, que além de amar alguém como ela amava, amasse também o mundo e o desconhecido como ela ansiava amar, oh como ele argumentava, oh como ela cedeu. Movida pelas palavras de seu pai, Teresa parou de chorar, e qual despedida sentimental, sinal de fraqueza, engoliu a dor, esboçou um sorriso ainda sem cor e partiu com seu pai.

Pedro que chorou o seu erro, que chorou não ter tido hipótese de pedir desculpa a Teresa, que chorou todas as tantas noites em que não teve a visita de Teresa, que chorou não saber e sempre ter sabido porque Teresa nunca tinha vindo, e que chorou de saudade na sua última noite na prisão, onde pelo menos tinha uma desculpa e um ultimo reduto onde se esconder, quando finalmente saiu, secaram-lhe as lágrimas, a saudade chegou, e a dor apertou, mas o orgulho venceu e Pedro não cedeu, não mais voltou a amar como tinha amado Teresa, refugiou-se na droga, no álcool, na insana loucura, nas prostitutas de rua, mas a toda a hora ansiava que Teresa, seu amor, voltasse arrependida, buscando seu perdão, mas Teresa nunca voltou, culpou o mundo, choraram seus pais, morreu ainda novo, morreu como escumalha e como a turva sombra do que por tempos foi e para sempre poderia ter sido.

Teresa esperou lá longe por Pedro, durante tempos e tempos chorava à noite para que ele atravessasse o mundo por ela, pois o seu orgulho não a deixava atravessar o mundo em sentido inverso, durante esses mesmos tempos, pouco saia de casa, fechando-se em si mesma e fugindo do mundo e do desconhecido, pelo qual ainda secretamente e sem saber ansiava e lutava, e suas lágrimas também acabaram por secar. Como nunca conseguiria esquecer Pedro, venceu-o fechando secretamente parte do seu coração ao mundo e dessa parte só Pedro alguma vez tinha tido, tinha e teria a chave, mas agora ela era livre de novo, e embora sem mais de novo escrever cartas de amor com o sorriso, voltou a sorrir e sem de novo voltar a amar com um simples olhar, voltou a amar.

Depois de alguns namoros falhados, Teresa acabou por casar com Miguel, não foi amor à primeira vista, mas foi amor, pois o que lhe restava do seu coração, Teresa deu-o a Miguel, e Miguel sabendo do bem que tinha, nunca perdeu a chave. Em toda sua vida, Teresa nunca contou a Miguel que alguma vez tinha existido Pedro, pois apesar dos secretos segredos que seu coração para sempre guardou, ela tanto amor ainda a Miguel reservou. Miguel e Teresa tiveram filhos, constituíram família, sempre se amaram, para sempre sorriram e para sempre amaram os filhos, agora à noite Teresa ainda pensava em Pedro, e por vezes ainda chorava baixinho por ele, mas chorava agora com medo de ele algum dia voltar, pois agora, mais uma vez, ela era feliz, e seu pai sorriu.