domingo, 30 de novembro de 2008

O rapaz das palavras bonitas

No longínquo mundo dos anjos, tudo é estaticamente perfeito, não há lágrimas ou sorrisos, apenas tempo, eterno tempo, onde nunca o óbvio se torna incerto, porque não há óbvio, há certezas, o amanha nada acrescenta ao hoje, apenas subtrai, subtrai um dia, ao eterno tempo que falta para acabar o eterno tempo que lhes resta. Neste longínquo mundo, tanto a dor como o amor são miragens de desejo, pois não há amor sem dor, e não há dor na perfeição.
Neste mundo habitado somente por anjos, tudo é belo, mas somente paisagem e não vida, os rios nunca galgam as margens, as flores não nascem, crescem ou morrem, simplesmente estão lá e de lá não saiem.
A única função dos anjos, é observar o nosso mundo, e desde sempre eles vêem tudo o que fazemos, apenas vêem, não censuram ou interferem, nem tão pouco interagem, vêem, e somente vêem o essencial, e o essencial sempre continua na mesma e não mudou desde os primórdios da antiguidade, manteve-se nos 10 séculos de trevas, continua agora entre nós, e não muda se somos ricos ou pobres, cultos ou incultos, loucos ou ponderados, e o essencial é a forma como olhamos os outros, e nos vemos a nós próprios ao espelho ou na água corrente e transparente de um rio.
E de tantos verem o que não vivem, desejam deixar de poder sonhar que um dia vão viver, tal é a dor de sonhar eternamente, ter por uma vez na eternidade um período limitado de tempo, durante o qual o único limite imposto à liberdade é a incapacidade humana de alguma vez ser livre.
No entanto, num dia perdido nos meandros do tempo, um dos anjos, desafiado por desígnios superiores a poder viver a vida que ousava sonhar, saiu do seu mundo e veio até ao nosso, por um mês apenas, mas nesse mês não teria o limite que sempre observara e nunca compreendera, e que nos impede a nós humanos, de sermos livres.
Chegou ao nosso mundo sob a forma de uma figura masculina que aparentava ter 20 anos e feições de eterno menino, de olhos verdes que espelhavam sonho e desejo, emoldurados por espessas sobrancelhas pretas, assim como pretos eram também os cabelos levemente encaracolados que remoinhavam ao vento, e a barba de 3 dias rebelde e desalinhada. Não tinha nome e por isso podia ser quem quisesse, não tinha compromissos pré estabelecidos, e por isso podia fazer o que quisesse, mas tinha vida, e por isso tinha tempo finito, tempo em que os dias passam, são únicos e irrepetíveis, e por não mais voltarem, cada dia que passa é sempre menos um dia na vida que resta.

Quando chegou trazia em si o desejo de finalmente ser livre, de por não se prender a nada ter sempre tudo e nunca ter saudades do que por nunca ter sido dele, nunca o deixaria, e durante 25 dias assim foi de facto. Viajou à boleia com desconhecidos, e com os mesmos desconhecidos passou horas à conversa, mergulhou no mar salgado e imprevisível, participou em bailaricos e romarias de aldeias perdidas, que por nem nos mapas da globalização existirem, seriam para sempre só de quem por lá por um instante viveu, ou uma vida passou, nessas aldeias dormiu com belas raparigas, invocando tantas vezes em vão a misteriosa palavra “amo-te”, seguindo depois sem olhar para trás, porque amo-te era apenas uma palavra misteriosa, e quando se desprendia e procurava outros desconhecidos, outros mares e aldeias perdidas, não sentia saudade ou nostalgia, pois por sempre se lembrar daqueles fragmentos de vida, eles para sempre lhe pertenceriam, e assim ele era livre, porque quando estava sozinho, não pensava no que já não voltaria a ter, mas no que sempre dele seria.
Mas à 6 dias atrás, no meio de mais uma das aldeias perdidas no mundo e ainda sem coordenadas definidas nos GPS, cruzou-se com mais um ser Humano, que seria para sempre apenas mais um ser Humano, se não fosse ela, ela, ou se não fosse ele, ele, mas ela era ela e ele era ele, e então ele desorientado e confuso por ainda sem ter percebido um dos maiores mistérios da vida humana saber o estar já a viver, fixou o olhar dela e ainda hesitante mas sabendo não poder hesitar disse…

-Olá…

-Olá…pareces perdido…

-Estava talvez desencontrado...perdido nunca estive

-Não…?

-Para estar perdido tinha que alguma vez ter sabido o que procurava, para sempre ter estado desencontrado, a solidão tem servido

-Hum…mas nunca soubeste o que procuravas?

-Não…mas agora percebo…

-Percebes o quê?

- A absoluta necessidade de por vezes desejar que um momento dure para sempre, assim como nunca se viu uma borboleta chorar por não conseguir mais voar, julgava que também para nós, a recordação do que o que um dia foi nosso, nos consolaria a saudade do que um dia já o não será, erro meu…

- Podes apaixonar-te mil vezes em Paris, mas para sempre as trocarias todas para que a primeira não tivesse acabado…

-E no entanto “we´ll always have Paris…”

-Parece-me que também já viste o Casablanca

- É o filme que apesar de não se passar em Paris, mais me faz desejar Paris…

-E que fazes por aqui? Tão longe de Paris, tão perto de nada.

-Estava de passagem, agora estou perto de ti…

-E onde estarás tu amanha?

-aqui se tu aqui estiveres ou algures acolá se para algures acolá tiveres ido

-Hum…devo então dizer-te até amanha desconhecido?…

-Deves sim…mas não agora...diz-me até amanha quando já for amanha

- É estranha a forma como falamos conhecendo-nos à tão pouco

-Hum…assim como é estranho lembrar-me que ainda não sei o teu nome

-Sim é verdade….ao começar a falar contigo passou-me a lembrança de que nunca fomos apresentados…chamo-me Joana, e tu ?

-Miguel…

“Miguel” e Joana continuaram a falar, falaram de filmes, falaram de vida, falaram de trivialidades, mas mais do que falar o olhar de um nunca largava o olhar do outro como se lessem no olhar o que as palavras em vão se esforçavam para dizer, até que…

-Será que à algo que explique o que sinto quando te olho sem te conhecer, como se por magia não fosse preciso conhecer-te para saber ter-te?

-Seria tão bom ter explicações para te dar…mas é tão melhor não as ter e apenas olhar-te…

-Olhas-me de uma forma que só estranho por não querer que pare

- Olho-te assim porque uma vez será a última que nos vamos olhar, e depois só me restará lembrar-te e imaginar como teria sido se…

-se …?

Beijo-a…

Nessa noite, quando se despediu e lhe disse até amanha, “Miguel” já sabia que não a poderia voltar a ver, porque por vezes é mais fácil despedirmo-nos para sempre, dizendo até amanha, porque hoje uma mentira magoaria o coração de Joana amanha, mas daqui a uns dias a verdade iria doer bem mais, ele que estava destinado a viver para sempre, só imaginava como o amanhã seria perfeito se não tivesse que partir, mas “se” é conjugação condicional, e conjugações condicionais não passam de pequenas palavras que dão às almas apaixonadas a esperança de mudar o mundo.
Durante essa noite “Miguel” foi então até à taberna da aldeia, onde se sentou bem ao fundo junto à lareira, e vendo o fogo consumir calmamente pedaços de madeira, roubando-lhe a cor, o carbono e a orgânica, só para que por breves fragmentos de tempo eles formassem uma belo e dinâmico equilíbrio com o fogo, aquecendo as mãos e a alma dos que estavam em redor, para depois, na inevitabilidade da chama se apagar serem esquecidos, porque ninguém quer saber das cinzas que restam, então nesse momento “Miguel” soube o que escrever antes de partir,

Joana,
Sou um viajante que conheces-te de viagem, parto daqui a umas horas, não porque tenha que partir, mas porque não consigo ficar, ontem só desejava que o dia não acabasse, mas acabou, e tenho medo de que se ficar mais um dia já não consiga partir. Se ficasse, poderia ver-te amanha e talvez ter-te para sempre, quando partir, apenas sei que não vou voltar, e que nunca te vou esquecer, serás o que poderia ter sido e não foi, assim como toda a minha vida passou sempre ao lado do que poderia ter sido, e por isso se tornou no que agora é.
Sei que não compreendes porque já não estarei contigo amanha, talvez nunca venhas a compreender, e me aches um cobarde por isso, talvez eu seja mesmo um cobarde por isso, mas se por uma vez acreditares em tudo o que ficou por dizer entre nós, então aí saberás que te amei, mesmo antes de poder amar-te,

Porque não há despedida romântica que não soe a falsidade, apenas adeus, apenas para sempre,


“Miguel” dobrou o seu pedaço de despedida em 2 partes, dirigiu-se ao balcão e calmamente pediu à taberneira para o entregar a Joana amanhã, a taberneira intrigada com a atitude e serenidade dele, perguntou-lhe de qual Joana ele estava a falar, e “Miguel” falando agora com um misto de doçura e dor que transparecia na doçura disse apenas, saberá quando a ver.
Depois saiu da taberna, e com lágrimas nos olhos mas determinação nas pernas, saiu da aldeia, não sabia para onde ia, sabia no entanto para onde nunca mais podia voltar, era noite de luar, e longe da luz das cidades o céu brilhava límpido e sem constrangimentos, então ele já longe o bastante da aldeia para não a ver quando olhava para trás, deitou-se no chão e na mais absoluta escuridão apenas olhou aquele céu, era lindo, mas para ver beleza estática e longínqua, ele tinha tido a eternidade, e tê-la-ia de novo em poucos dias, mas a beleza só vale a pena quando partilhada, porque precisamos de a partilhar com quem amamos, agora “Miguel” percebia finalmente o que nos impede de sermos livres, chama-se amor, e faz com que tudo valha a pena.
Tudo o que “Miguel” escreveu naquela taberna, junto à lareira, eram premissas de mentira, para cada mentira uma razão, para a verdade a escuridão, ele era sim um viajante, mas estava cansado de viajar, queria assentar, queria amar, não podia, restavam-lhe 5 miseráveis dias entre nós, podia ter escolhido passá-los com Joana, mas não seria justo para ela, talvez Joana pensasse para sempre que ele era um cobarde à procura de uma aventura de uma noite, “Miguel” não tinha escolha, Joana tinha, e na sua não escolha, escolheu por ela e foi embora, e depois daquela noite de lágrimas trocadas com as estrelas, nunca mais foi visto na aldeia, nunca mais ninguém o viu em sitio algum, talvez se tenha escondido do mundo até à hora da partida não sei, mas sim ele vê-nos, assim como sempre viu a vida de Joana, apenas viu, apenas vê.
Na manhã seguinte a taberneira passou pela casa de Joana e lá deixou o papel dobrada em duas partes, ela era a única Joana da aldeia,a taberneira sempre soube quem ela era, e por isso lá deixou a despedida de “Miguel” e voltou para sua Taberna, sem perguntas, sem explicações, como sempre eram as coisas naquela aldeia, quando pouco depois Joana leu aquele desengonçado pedaço de papel, e sem pensar apenas saiu e correu, procurou-o nas aldeias mais próximas ainda nesse dia, e por todo o local que conhecia nos meses seguintes, só lhe queria dizer que queria viajar com ele, que o amava e para ele não ir sem ela, na sua busca desesperada nunca ouviu sequer por uma vez falar dele, acabou sim por o achar um cobarde, é esse o poder que o tempo tem sobre um amor perdido no tempo, acaba por tornar amor em desespero, desespero em raiva, e raiva em recordação, recordação não da raiva mas do amor.
Joana voltou à aldeia, e assim como as outras raparigas da aldeia acabou por casar com um dos rapazes da aldeia, depois do casamento acabou por ir viver com seu marido para a cidade, onde ambos passaram a vida a trabalhar todo o dia fechados em escritórios , tiveram dois filhos,algum dinheiro e um bom apartamento e portanto segundo os parâmetros da sociedade de consumo pode dizer-se que foram felizes, e Joana para sempre recordou “Miguel” apenas como, o rapaz das palavras bonitas.

sábado, 15 de novembro de 2008

Diálogo entre mim e mim mesmo com traços de esquizofrenia

-Conheci uma rapariga sabias?

-E qual é o espanto por teres conhecido uma rapariga pá?

- bem …é que… eu gosto dela.

-Gostas dela como, meu?

-Não sei, apenas gosto, ela é especial…

-És tão lamechas tu…

-Talvez seja sim mas…

-Mas…?

-Mas gosto dela…

-E já lhe disseste isso a ela?

-Não tenho coragem…, mal a conheço… e além disso sabes bem que eu sou um tanto ao quanto tímido no que toca a declarações…

-Pois és, és…mas tens que me explicar como é que uma rapariga que mal conheces te faz o coração cobrar horas extra…

-Talvez seja por querer conhecê-la melhor…

-E tu tens mesmo a certeza que a queres conhecer melhor?

-Eu preciso de a conhecer melhor.

-Precisas?? Mas porquê pá?

-Como seria demasiado lamechas dizer que me abstraio do mundo a pensar nela, digo-te antes que o mundo foge de mim quando sonho com ela.

-Soa-me mas é a amor por esses lados, meu…

-Não…Por agora não, como te disse, eu mal a conheço, e podemos desejar o desconhecido, mas apenas isso, desejar…, ninguém ama as estrelas que brilham no céu, mas quase todos as desejamos;)

-Pela maneira como dizes isso até parece que nunca a vais conhecer melhor

-E talvez não mesmo, pelo menos não enquanto não tiver coragem de lhe dizer que gosto dela

- Mas nunca falas-te com ela?

-Já passei horas a falar com ela…falo como ela sobre as trivialidades do dia-a-dia, sobre os nossos gostos, sobre o que éramos no passado e desejamos para o futuro, adoro o modo como nos insultamos mutuamente com “carinhosos jogos de palavras” ou as dissertações que fazemos antes de desligar o telefone, e não consigo resistir à forma de pensar e de falar e de agir e de reagir dela.

-Bem quem te ouvir falar até pensa que essa rapariga não tem defeitos…

-Tem…claro que tem, é teimosa, orgulhosa, nunca dá o braço a torcer, é demasiado perfeccionista e arriscava dizer que por vezes é quase que convencida, mas o que eu estranho é não conseguir deixar de gostar dos defeitos dela, é como se os defeitos dela fossem meras características e ter características é bom;)

-E achas que ela ainda não topou que gostas dela?

-se percebeu não me o disse e eu não tenho coragem de perguntar…

-Devias ter…

-Será que devia?

-Claro que devias pá…

-Sei lá…por vezes soa melhor viver na incerteza de ela poder gostar de mim do que viver com a certeza da resposta dela.

-Mas provavelmente se nunca tiveres coragem de perguntar vais-te arrepender do conforto do teu silêncio.

-Sim, provavelmente,