segunda-feira, 25 de julho de 2011

SBSR

A noite estava agradável, as previsões diziam que ia estar ventosa e fria, para uma noite de Verão, mas as dezenas de milhares de pessoas que preenchiam o recinto, o álcool que já me acompanhava o sangue apesar do preço absurdo da cerveja, e a vibração dos concertos que contagiava, faziam com que o vento ou frio ali não se impusessem, e o resquício de frio que perdurava na pele, consequência dos duches de água fria do festival, era-me até agradável. O recinto estava fortemente iluminado, a luz que enganava a noite era tanta que permitia ver o rasto branco deixado pelos aviões comerciais que iam passando rente a uma lua que apesar de cheia e orgulhosa não se conseguia impor.
Era a primeira noite, mas a quantidade de pó levantada pelo vento, e pelo andar, saltar e vibrar de toda aquela gente, fazia com que a minha roupa, a minha pele, os meus olhos, e mesmo o meu muco nasal, já estivessem completamente embrenhados desse mesmo pó, contudo, como o “mal” era de todos, e os decibéis camuflavam tudo, a sensação de sujidade tornava-se residual. A quantidade de charros que me ladeavam era também ela avassaladora, bastava inspirar com alguma força para se sentir o fumo que vinha das pontas incandescentes e que servia também ele de exército contra a suja inércia do pó, aliado da When the Sun Goes Down que agora se fazia ouvir e de um quase mágico entusiasmo e dos corpos, de todos os corpos, mas mais notoriamente dos bonitos, que com ela vibravam. Nesta altura um tipo perto de onde eu estava caiu desmaiado, passou de toda a luz, todo o som, toda a multidão e pó que um ser humano pode imaginar enquanto sonha, para o escuro e silêncio, ou pelo menos, para o chão. Nada mudou na multidão, não podia mudar, apenas um corpo se baixou logo depois de ele tocar o chão, tentava não ser pisado pela vibração, dava-lhe estaladas na cara e gritava-lhe qualquer coisa ao ouvido, talvez soubesse o que estava a fazer, pouco depois ambos surgiram de novo, ele estava de novo consciente naquele hino aos sentidos, ou pelo menos tinha largado o chão, um breve instante, eram ambos de novo multidão.

sábado, 9 de julho de 2011

A troca

Acordei, e ao voltar o pescoço fixei o olhar na mulher ao meu lado, a pele, ainda carente de uma vitalidade adormecida, apresentava-se estranhamente pálida, contrastando com o vermelho vivo dos lençóis e com o resto de batom que ainda permanecia nos lábios, e lutava por se manter à tona. A persiana da janela estava entreaberta, e assim, os primeiros raios de Sol, que ela dividia sem travar, iluminavam-nos os corpos nus em milhares de pequenos rectângulos de luz. Sabia que estava perante a maior beleza do mundo, e não sentia nada, não desejava nada nem tão pouco pensava nisso, e com tanto nada já me estava a atrasar. Levantei-me maquinalmente, tendo especial cuidado para pouco fazer balouçar o colchão ao sair, e mesmo os lençóis vermelhos pouco se sentiram, não queria que acordasse, não tinha nada de lucrativo para lhe dizer.
No banho, a água quente que vinha de cima e me massajava monocordicamente as costas permitia-me continuar sem sentir nada, e talvez a culpe em excesso, mas impedia-me mesmo de pensar no absurdo daquela manhã, fechei os olhos, e apenas vi folhas de papel, tabelas de Excel, e fotos, todo o género de fotos, todo o género, desde que fossem de papel. Ai sim, uma primeira pontada de desejo matinal surgiu, folhas preenchidas com belos relatórios , alguns em Ariel 12, outros em Times New Roman, queria analisá-los a todos, louvá-los depois, e as tabelas, milhares de números, combinações de números, queria tocar naqueles números, jantar fora com eles e depois fazer serão, senão à lua cheia, pelo menos iluminados por uma boa lâmpada de 50 watts. E juntando algumas fotos, que mais pode um homem sonhar, até com elas posso andar de mão dada, basta levar tudo dentro de uma pasta.
Fechei a torneira, e ínfimo intervalo de tempo que passou até me começar a secar, senti as gotículas de água que não me tinham largado, e que já estavam apenas mornas, a percorrer-me o corpo, como se um labirinto onde se queriam perder se tratasse, fazendo-me cócegas, ainda bem que acabou depressa. Vesti-me, perfumei-me, olhei-me ao espelho, agradei-lhe, e ajeitei um pouco o nó apertado da gravata.
Olhei para o relógio, e como, se tudo corresse mal, ia demorar 45 minutos a chegar até chegar ao trabalho (que a partir de agora, e nestes últimos 2 derradeiros parágrafos será tratado por Ele) e já só faltavam 50 minutos para o Acontecimento, já não tinha tempo para tomar o pequeno-almoço, comia qualquer coisa depois, e por isso ainda me sobravam agora, que o tempo não espera, 4 minutos, passei pelo quarto mais uma vez, ela continuava a dormir profundamente, mordiscando inconscientemente o lábio, respirava como se fosse suposto eu entender, não sei se foi só hoje, se vou voltar a amá-la amanhã, agora a minha alma é para Ele, transtorna-me agora, mas sei que nunca vou ter coragem de lhe dizer, nunca vou ter coragem de dizer a ninguém.
Estou junto dela, faltam 2 minutos para ter que ir, nem uma ponta de desejo, sinto que temos um contrato de trabalho a unir-nos, quero contar-lhe, dizer-lhe que não a amo, que me fartei do belo, da vida, e dos iguais a mim, ela acorda, os olhos esverdeados dela ainda com as pálpebras hesitantes poisam-se nos meus, aproximo-me mais uns centímetros e beijo-a, olho para o relógio de braçadeira de prata, está na hora de ir ter com Ele, ela finge sorrir, eu retribuo, não há palavras, viro costas, e saio de mão dada com a pasta, feliz, vou ter com o meu grande amor e por isso não me penso.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Amar na Idade Média

De todos os períodos da história, a idade média é provavelmente o mais injustiçado e desprezado, “dez séculos de trevas”, é como com desprezo lhe chamam. Mas a idade média somos nós por moldar, nós em uma passada hipótese de existir, uma hipótese antes de a luz ter iluminado o mundo, antes de a ciência nos seduzir, antes de se querer abolir o trágico. Tanto se fala da morte e da crueldade no tempo da idade média, do infortúnio dos que nela se conta que existiram, e tão pouco dos que nela se esquece que amaram.

Imagine-se por uma vez, um tempo em que se fantasiava com a morte, não com a vida, a vida não iludia, vivia-se, e vivia-se nos confins do mundo, em que tudo acabava no que os olhos viam, as cidades, as aldeias, as casas, as pessoas, a dor, a tragédia e o amor, eram o que eram, não o que os moldavam para ser. Nada se questionava, como se tudo fosse o que realmente fosse, as tragédias sucediam, como se desde sempre e para sempre, fosse sangue que respirássemos, e fosse apenas para amar que aqui estivéssemos. Ou para morrer a tentar, que o amor era eterno, e a morte apenas dor. E assim, quem amou na mais profunda tragédia e escuridão, iluminou-se sem que nunca lhe mostrassem qualquer luz, o mundo permanecia escuro, e eles, iluminados, foram-se, escapando à história, uma história que ilumina o mundo, mostra e deslumbra, mata, e depois narra.

domingo, 3 de julho de 2011

Eterna

Eterna,
Bela,
Soberba,
Maldito de quem te tira o véu,

Enganas,
Controlas,
Vences,
E assim amas,

E mesmo quando perdes,
Não perdes,
Ninguém ganha