segunda-feira, 6 de outubro de 2008

matemática vs vida

Perdoem-me os amantes da matemática e da exactidão dos computadores portáteis, mas eu amo é o que não é exacto e não está previamente descoberto, amo descobrir algo de novo, pensar muito, mas ter a certeza de pouco, viajar ainda mais, saber que existem coisas inevitáveis, mas não ser condicionado por essas variáveis, confiar na memória do meu coração e não em memórias RAM e discos rígidos, perdoem-me os que fazem planos a longo prazo, como se a vida fosse uma gigantesca equação matemática da qual se conhecem previamente todas a variáveis, eu vivo cada dia com a certeza que amanha vou saber mais que hoje, mas sempre sabendo que hoje sei tudo o que preciso, sei sorrir, andar, correr, nadar, ler, dialogar, viajar, sei o quão precioso é tudo o que amo, tudo que tenho e tudo o que sei, e que apenas o que temos nos é imprescindível ter, logo, apesar de saber que amanha vou saber algo mais, que espere o amanha, que eu hoje já cansei de esperar.

Hino ao destino

O que existe e o que não existe está dentro de nós, nós decidimos o que é real, é só uma questão de acreditar.

Por isso te escrevo esta carta, para descobrir se acredito no destino, se tal coisa existir tu vais ler esta carta e por alguma razão vais ser impelida a responder, se não responderes hoje ou amanha ou um dia, é porque o destino não existe, ou pelo menos eu não vou acreditar nele, logo não será real.

Escrevo-te do meio do oceano neste pedaço de papel já gasto, a letra está tão firme e segura quanto as vagas que assolam o “O Imortal” o permitem, a garrafa que serviu de navio à minha crença no destino ainda cheira ao vinho de ontem do jantar, e se estiveres agora com ela nas mãos é porque já atravessou tantas milhas náuticas quantas se podem contar pelos dedos de mil mãos e fintou intempéries enfrentando o desconhecido, para agora a desconhecida que procurava, a segurar nas mãos.

Podes perguntar mil vezes como saberás tu se fui escrita para ti, mas ao leres-me a primeira vez terás a certeza da resposta, pois também tu duvidas do destino, mas tu, quando me tiveres a mim, pedaço de papel usado e embebido em vinho de ontem do jantar, nas tuas mãos terás, o poder de decidir o que é real.

P.S: a minha morada está no verso da folha

Diálogo de uma noite de Outono

-Amas-me?

-preciso-te

-Mas não me amas então?

- Podia dizer que te amo de forma pragmática, carnal, platónica, de todas essas formas e mais uma, ou simplesmente dizer “amo-te”, tantas são as maneiras de dizer que te amo, ao olhar para ti, mas ao invés de tudo isso, digo, preciso-te.

-E porque o fazes?

- Faço-o porque quando olho para ti, amo-te nunca me parece ser o suficiente para dizer o que sinto por ti, e a única palavra que conheço que significa mais que amo-te, é preciso-te.

- Mas como pode uma palavra que não existe, significar mais que amo-te?

- Porque enquanto amo-te significa que me acelera o coração quando estou junto de ti, preciso-te significa que me pára o coração quando estou longe de ti, porque eu vivo em ti. E não, preciso-te ainda não deu provas de que exista, mas quem é que precisa de provas do que o que sente o coração?

-hum….rendo-me, e preciso-te também, mas aquela “mais uma forma de dizer que te amo” não está incluída em preciso-te ainda… (sorriu-lhe, fixou-lhe o olhar, e trincou-lhe a orelha…)

O pai de Teresa

Pedro amava Teresa e Teresa amava Pedro. Pedro era da escumalha, Teresa era menina rica. Pedro era louco e vivia o hoje, Teresa era certinha e ansiava o futuro. São estas as premissas da segunda mais bela história de amor.

Não sei se realmente existiam amores à primeira vista, mas tudo o que nunca existiu tem uma primeira vez para existir, e sim o amor de Pedro por Teresa foi o milionésimo, ou o segundo, ou o primeiro amor à primeira vista. Ambos foram aquele bailarico de Verão, ambos se afastaram um pouco da multidão, ambos estavam sozinhos nesse momento, e os dois cruzaram o olhar um com o outro, e de imediato, não sei se por feitiço inconsequente, se por qualquer inquietude incompreensível dos meandros da complexidade de um olhar, ou se por desígnio de uma qualquer força superior do inexplorado universo à qual vulgarmente chamamos destino, os dois se apaixonaram.

Pedro e Teresa eram de diferentes extractos sociais, tinham diferentes objectivos de vida, os dois eram jovens, mas ela tinha o brilho da inocência e de mil sonhos no olhar, e ele a profundidade da loucura e a calma ânsia do mar revolto no olhar. Mas Pedro apaixonou-se por Teresa, e Teresa apaixonou-se por Pedro, mais que amor platónico, carnal ou pragmático, Pedro e Teresa amavam-se no sentido amar da palavra amar, e neste simples e primitivo sentido de amar, os sorrisos eram cartas de amor, e travar-se-iam de razões com Platão, pois como poderiam os beijos, os toques, os actos e o desejo dos actos ser acusados de macular a pureza de algo que nunca foi puro?,a pureza é substrato inorgânico que não tem por onde arder, e Pedro e Teresa caminhavam descalços sobre as brasas do coração um do outro.

Pedro tornou-se mais responsável por Teresa e Teresa mais irresponsável por Pedro, ele já não faltava às aulas de matemática para fumar e divagar e ela já faltava às aulas de Geometria para estar com ele, ele dizia que lhe doía o coração quando estava junto dela e ela respondia que lhe parava o coração quando estava longe dele, ele escrevia-lhe poesia em letras grandes na areia molhada da praia, que à noite era só deles, e ela salgava-lhe o rosto e desenhava no seu corpo figuras geométricas ou aladas com a areia molhada e depois sugava-lhe o sal, eles depois de se amarem, passavam horas nus e entrelaçados a falar sobre toda a simples complexidade da vida e sobre as certezas que sentiam ter do que ainda não tinham sentido, mas sem nada de facto dizerem, pois naquelas eternas horas, simplesmente sonhavam no olhar e no sorrisos um do outro.

Tempos passaram, e o amor que os movia se mantinha, os pais de ambos sabiam da existência deste amor, mas só Pedro e Teresa sabiam da sua grandeza, só eles viviam o inexplicável e sentiam o incompreensível. Os pais dele, pobres, humildes, ponderados e verdadeiros, consentiam a medo este amor, o pai dela, rico, poderoso, orgulhoso e acima de tudo cego pelo que julgava ser o bem maior da filha, rejeitava e desprezava a medo este amor. Apesar de a família dele temer o poder e cega crueldade do pai dela, e do pai dela temer a insignificância e a pobreza da família dele e sobretudo a escumalha que julgava Pedro ser, ainda faltava provar que o amor que habitava neles pudesse alguma vez ser desalojado.

O pai de Teresa cedo percebeu que não podia combater tal amor, mas bem sabia que por vezes o que não pode ser combatido, pode, embora não sem sofrimento e dor, ser vencido, ele podia facilmente mandar matar Pedro, mas assassino ele não era, podia enclausurar a filha em casa, mas ela continuaria a amar Pedro, podia forçar a filha a ir com ele viver para longe, para tão longe quanto o gelo é distante do sol, mas bem sabia que sua filha depressa fugiria do longínquo gelo para estar com Pedro. Então o pai de Teresa esperou, esperou tempos e tempos que ele errasse, pois de certo modo ele sabia que um dia ele iria errar, e passado tempos e tempos Pedro finalmente errou, por um momento a profunda loucura do hoje, no seu olhar brilhou, e Pedro sem pensar no amanha actuou, foi apanhado a tentar roubar um precioso colar, e foi preso, à muito que o Pai de Teresa, apesar da sua imensa fortuna, a tinha privado dos dispendiosos bens materiais a que sua filha estava habituada, no entanto ela nunca pediu ou sequer insinuou nada a Pedro, nunca mostrou qualquer rancor ou preocupação por isso, mas Pedro sabia-o e Pedro errou.

Enquanto Teresa chorava por Pedro, seu pai atacou, sugeriu-lhe sem a obrigar que se mudassem ambos para bem longe, para onde ele à muito tinha sido convidado para chefiar uma missão, mas à muito adiava a resposta, disse-lhe que era uma oportunidade, que Pedro que a amava sim, mas tinha errado, e por algum tempo iria ficar preso, e que depois de ser libertado poderia voltar a errar, ou ir atrás dela para o bem longe onde ela se encontraria, que ele não se oporia ao seu amor por ela se ele voltasse e lutasse por ela, que seria uma aventura e um teste ao mesmo tempo, que ela precisava de mudar e conhecer novos mundos, que não lhe pedia que fugisse de Pedro, mas sim que desse a si própria uma hipótese de se conhecer noutro sitio, noutras circunstâncias e com outras gentes, que além de amar alguém como ela amava, amasse também o mundo e o desconhecido como ela ansiava amar, oh como ele argumentava, oh como ela cedeu. Movida pelas palavras de seu pai, Teresa parou de chorar, e qual despedida sentimental, sinal de fraqueza, engoliu a dor, esboçou um sorriso ainda sem cor e partiu com seu pai.

Pedro que chorou o seu erro, que chorou não ter tido hipótese de pedir desculpa a Teresa, que chorou todas as tantas noites em que não teve a visita de Teresa, que chorou não saber e sempre ter sabido porque Teresa nunca tinha vindo, e que chorou de saudade na sua última noite na prisão, onde pelo menos tinha uma desculpa e um ultimo reduto onde se esconder, quando finalmente saiu, secaram-lhe as lágrimas, a saudade chegou, e a dor apertou, mas o orgulho venceu e Pedro não cedeu, não mais voltou a amar como tinha amado Teresa, refugiou-se na droga, no álcool, na insana loucura, nas prostitutas de rua, mas a toda a hora ansiava que Teresa, seu amor, voltasse arrependida, buscando seu perdão, mas Teresa nunca voltou, culpou o mundo, choraram seus pais, morreu ainda novo, morreu como escumalha e como a turva sombra do que por tempos foi e para sempre poderia ter sido.

Teresa esperou lá longe por Pedro, durante tempos e tempos chorava à noite para que ele atravessasse o mundo por ela, pois o seu orgulho não a deixava atravessar o mundo em sentido inverso, durante esses mesmos tempos, pouco saia de casa, fechando-se em si mesma e fugindo do mundo e do desconhecido, pelo qual ainda secretamente e sem saber ansiava e lutava, e suas lágrimas também acabaram por secar. Como nunca conseguiria esquecer Pedro, venceu-o fechando secretamente parte do seu coração ao mundo e dessa parte só Pedro alguma vez tinha tido, tinha e teria a chave, mas agora ela era livre de novo, e embora sem mais de novo escrever cartas de amor com o sorriso, voltou a sorrir e sem de novo voltar a amar com um simples olhar, voltou a amar.

Depois de alguns namoros falhados, Teresa acabou por casar com Miguel, não foi amor à primeira vista, mas foi amor, pois o que lhe restava do seu coração, Teresa deu-o a Miguel, e Miguel sabendo do bem que tinha, nunca perdeu a chave. Em toda sua vida, Teresa nunca contou a Miguel que alguma vez tinha existido Pedro, pois apesar dos secretos segredos que seu coração para sempre guardou, ela tanto amor ainda a Miguel reservou. Miguel e Teresa tiveram filhos, constituíram família, sempre se amaram, para sempre sorriram e para sempre amaram os filhos, agora à noite Teresa ainda pensava em Pedro, e por vezes ainda chorava baixinho por ele, mas chorava agora com medo de ele algum dia voltar, pois agora, mais uma vez, ela era feliz, e seu pai sorriu.