domingo, 16 de maio de 2010

Quatro Estações

Primavera

Fazes-me sentir bem, fazes-me querer ver flores a desabrochar e gostar das pétalas, fazes-me querer dar-te a lua todas as noites, preenchida ou em quarto minguante, fazes-me querer assaltar o tempo,assaltava-o para ter mais 10 minutos contigo, fazes-me parecer louco, querer ser louco, louco para quem me vê e não sabe, apaixonado por ti, que sabes, e mais que isso apetece-me olhar-te e não dizer nada, dizem por aí que estar parado e apenas olhar é perda de tempo, mas eles não te conhecem meu amor, perda de tempo é estar longe de ti, longe de ti sinto-me uma virgula que separa dois números inteiros ou duas palavras que querem estar juntas, uma virgula é um ponto final com uma lágrima de atrelado, ver-te sorrir seca qualquer lágrima.
E antes de me apetecer tudo, apeteceu-me que gostasses de mim também, foram tumultuosos os tempos em que queria apenas que reparasses em mim, que percebesses que gostava de ti e que por efeito directo logo te apaixonasses por mim, eu soube que gostava de ti quando uma vez aproximaste os teus cabelos encaracolados em espiral do meu pescoço e disseste algo bonito( não interessa o quê agora, quase tudo é belo na primavera), a partir daí queria andar de mãos dadas contigo, porque de mão dada ao teu lado qualquer sítio é alado, queria ver-te adormecer e a acordar a também, a espreguiçares o corpo quando acordasses, e a perguntares se o que estava dentro daquela caixa da pastelaria, eram mesmo as tuas miniaturas de chocolate preferidas, queria fazer uma linha imaginária que unisse todos os sinais do teu corpo, não para tentar adivinhação, mas apenas porque sim, mas nada dizia, pensava que eu era como a noite que não tem que dizer que nos roubou a luz para olharmos para as estrelas, ou que tu eras como uma borboleta de asas vestigiais que percebe tudo apenas porque sim, enganei-me, as tuas asas não eram faz de conta.
Sabes talvez cada um de nós seja mesmo um mero ponto quase insignificante em toda a grandeza do universo, mas pelo menos contigo faço uma linha, e tudo o que existe são pontos, linhas e amor, amor são as tulipas, as joaninhas, o pôr do Sol e as ervas aromáticas, são os outros e tudo o que eles têm, os pontos somos nós, e a linha é a aresta do paralelepípedo.
Tudo parece tão belo, tudo se enquadra, percebo agora os desenhos das crianças, melhor que toda a pintura abstracta, desejo aquilo que os meus olhos vêem, e aquilo que eles não vêem mas dizem,e o que eles não dizem também, não me lembro de eles já terem dito que tens cócegas na barriga, percebo as cartas de amor, escrevi-te uma anteontem, está debaixo da tua almofada.
E quando escondidos debaixo dos lençóis, ou fora deles, mas algures, fazemos amor, sei que te amo, não mais do que quando estávamos os dois vestidos ainda, ou quando te vejo a fazer exercícios de matemática, ou quando inventamos constelações( lembraste do paralelepípedo?) mas não menos também, porque as flores têm pétalas coloridas, as borboletas têm asas vistosas, os pavões rabos em forma de leque, e as cacatuas bicos cor de marfim, e nós temos alma, carne e palavras bonitas.
Sei que vai ser para sempre, enfrento contigo todo o tempo que o tempo nos quiser tirar, e a “Lacuna”* também, se nos vier assaltar,vamos conquistar o amanhã com pistolas de água, junto de ti tudo é belo, e o belo nem sempre é fácil, mas faz-nos esquecer que a chuva pode molhar, que o frio pode constipar, que as abelhas podem picar, e a verdade sabes é que isso nem lhe rouba a lógica, sabe bem abraçar-te já ensopada, com as gotas de chuva a caírem sobre nós, e beijar-te depois mesmo constipada e de nariz entupido e levar-te o pequeno almoço à cama no dia a seguir( para a semana é a tua vez), e vais querer bater-me por isto mas abraçar-te enquanto choramingas que uma abelha assassina te fez um hematoma gigante no braço também tem o seu encanto, porque o amor não faz nada parecer belo e insano, mas ser belo, objectivo e nosso, aquilo que era apenas triste quando éramos dois pontos. Não quero voltar a ser uma vírgula.

*Referência directa do autor ao filme "O brilho Eterno de uma Mente Vazia"

Um comentário:

ANNUNCIATA disse...

É isso que o amor faz. Dá-nos propósito, engrandece-nos, completa-nos. Não nascemos para ser pontos, mas linhas. Ver o mundo com olhos acompanhados faz realmente tudo eterno, embora nada o seja.
Um belo grito ao amor, este teu. Parece verdadeiro e sentido. Considero afortunados aqueles que conseguirem sentir o que escreveste, porque só assim encontraram a verdadeira dimensão da vida. Quer seja na Primavera, ou no Inverno.