segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cara ou Coroa

Imagina que a tua vida depende desta escolha absurda. As pessoas mais ou menos interessantes, mas nunca com a mesma constante razão e presença de espírito que tu possuis, que tu já conheces e ainda vais conhecer, e todas as outras, essas sim verdadeiramente interessantes e que te compreenderiam em toda a tua magnitude, que ficaram por conhecer. O emprego medíocre, que arranjaste, quase que a lembrar o trabalho de Sísifo , e as 20 oportunidades que perdeste de ser rico. Os que escolheste amar, porque o tempo não pára e já estava a ficar tarde, escapando-te aquela tua outra tal metade, que Zeus um dia separou com um raio.
Assim como as tuas formas cada vez mais arredondadas, não, isso não, desculpa, isso é culpa dos maus genes, que tu até não comes quase nada, e às terças e quintas-feiras vais passear o cão, para o bicho não ficar entrevado. Ou mesmo o acidente que tiveste, porque o outro empecilho, que por acaso tinha acabado de ver um documentário do National Geografic sobre salamandras, e o seu importante papel no ecossistema global, resolve travar a fundo quando uma se lhe atravessa no caminho, enquanto tu apenas ias sem distância de segurança, e em excesso de velocidade, porque, já estavas atrasado para o tal emprego medíocre, quando te lembraste que ainda não tinhas ido ver à internet se o Glorioso tinha ganho aquele amigável com uma equipa Chinesa, do qual só tinhas visto metade porque o fuso horário dos olhos em bico é meio manhoso, além de que aquela estrada era perfeitamente segura para andar rápido, excepto com bestas como aquelas por perto. A tragédia que daí veio, estavas sem sinto, foste projectado, bateste com a cabeça, e o teu olho esquerdo foi a única coisa que alguma vez voltaste a mexer. Ou afinal não, tinhas posto o sinto quando te cruzaste com um carro da polícia 2 minutos antes, apenas te arranhaste no joelho, tinhas seguro contra todos os riscos e até já estavas a pensar trocar de carro que aquele fazia um barulho esquisito no motor, o tipo da Salamandra já tinha uma certa idade, reconheceu alguma culpa, mas como, incompreensivelmente, para a implacável da Seguradora foste tu o culpado, e ias pagar o seguro mais caro nos próximos 10 anos, o velho teve pena de ti, alguns remorsos até, pois reparou depois que aquela salamandra era da subespécie Gallaica, e o documentário dizia que as Crespoi é que são importantes para o ecossistema, convidou-te para uma churrascada em casa dele. Tu foste, conheceste a filha dele, estava a ficar já tarde para amares alguém, casaram-se, deixaste descendência, ups, ela era médica, aquela médica para quem tu pela primeira vez abriste o olho que conseguias piscar depois daquele terrível e estúpido acidente em que não te cruzaste com nenhum carro de polícia pelo caminho, a escolha é tua, a moeda já girou no ar, está encarcerada numa qualquer mão, à espera, cara ou coroa?

2 comentários:

ANNUNCIATA disse...

Imagina que ele tinha saído dez minutos mais tarde e que já não se cruzava com o senhor das salamandras?
Ou que, já a meio do caminho de sua escolha, se apercebeu que não era aquilo que queria da vida e que ainda ia a tempo de mudar?
Quem dera que todas as escolhas da nossa vida pudessem resumir-se simplesmente a um "cara ou coroa". Contudo, entre a moeda encarcerada nalguma mão, o projecta-la e o crucial momento decisivo, há muito mais "forças" do que o que a nossa mente consegue alcançar...
Bonito, profundo, com muito mais a decifrar do que dá a entender!
Parabéns.

José Cevada disse...

Ou quem dera que de facto houvesse escolhas na nossa vida, isto dando-se o caso de a vida que julgamos realmente ter, ser um filme já em exibição no cinema, está já todo escrito na fita magnética, apenas ainda não passou todo, o final ainda não existe para quem não o viu, mas lá estará algures na fita;)
Apenas uma possibilidade,

E obrigado pelo comentário,