segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Caos

Estava escuro o bastante, o frio fazia-lhes pele de galinha, o mar falava, mas eles também.

- Vamos tentar um jogo diferente esta noite, prazer, mas só com palavras.

- Parece-me bem, duvido é que aguentes mais de 5 minutos.

- Bem, eu tinha apontado para 2 minutos, não mais. – Não estivesse escuro o bastante e eles teriam sabido qual dos dois corou.

 - Mas quais são as regras do jogo?

- Vale tudo, menos tocar. – Nisto passou o dedo indicador a menos de um centímetro da cara dela, começando desde a linha dos olhos, e quando já tinha abandonado o queixo em direcção ao pescoço abriu a mão toda e continuou o percurso descendente, sempre perto o bastante para ser doloroso.

- Ela aproximou-se ainda mais dele, de salientar que já antes estavam bastante próximos, o cabelo dela chegou mesmo a tocar-lhe nos braços, servissem as regras para alguma coisa e teria sido desqualificada. – Preferes que te recite um poema ou que te salte já para cima? Disse-o num sussurro, mas com os olhos muito abertos, e a expressão séria, quase triste, porque não se estava a rir. Alguém alheio a eles que a ouvisse, tomá-la-ia por ingénua, talvez mesmo por palerma.

 - Que me saltes já para cima. – Ao que parece os olhos dele nem piscaram.

- Sabias que as palavras são a mais poderosa fonte de prazer? – Ela quase sorriu depois de lhe fazer esta questão, talvez tenha sorrido mesmo, um sorriso muito pequeno que o confundiu, ele não percebeu se se tratava de ironia ou da antecipação de uma constatação em jeito de triunfo.

- São? – Disse-o espantado, até confuso, mas juro, parecia assustado.

- São, mas só porque a seguir vem sempre o silêncio, quer dizer, senão silêncio, ao menos ausência de palavras – De referir que ela não disse estas últimas palavras com especial malícia, podendo bem ter passado por ingénua. – E enquanto as palavras despertam, excitam, adiam, escondem, e às vezes até ensinam, o silêncio, ou pelo menos a ausência de palavras – Desta vez apesar de a malícia continuar aparentemente ausente disse-as mais baixo. – Realizam, expõem, e até desconstroem, o que as palavras construíram. Por exemplo, se eu te dissesse que já só aguento esta “máscara de civilizada e ponderada” mais uns segundos, que estou prestes a render-me à carne e a infringir-te tudo, sim, escusas de arregalar mais os olhos, mesmo tudo, a ponto de implorares por mais e eu te dizer não a seguir, que nem só de prazer se faz o prazer, e só é doce quem não sabe ser mais nada. Bem..se eu te sussurrasse este exemplo ao ouvido arrepiando-te o que tens para arrepiar, – O que aliás ela fez apesar de estarem sozinhos ao menos até onde o escuro o bastante os deixava ver – talvez conseguisse até com que odiasses as palavras, a própria invenção da palavra porque enquanto forem só palavras, não passam de promessas, e as promessas são a única coisa que pode ser vã, a única coisa que pode ser eterna.

 - Lia-se ardor na cara dele, chegava mesmo a morder os lábios, mas não sorria, talvez de alguma forma pudesse estar triste, mas era impossível para o próprio perceber com o quê, o desejo era febril, total. – Tu és bela, e eu não te consigo explicar porquê, não por palavras, não enquanto olhar para ti magoar.

 - Desistes?

 - Desisto.

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