segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O pai de Teresa

Pedro amava Teresa e Teresa amava Pedro. Pedro era da escumalha, Teresa era menina rica. Pedro era louco e vivia o hoje, Teresa era certinha e ansiava o futuro. São estas as premissas da segunda mais bela história de amor.

Não sei se realmente existiam amores à primeira vista, mas tudo o que nunca existiu tem uma primeira vez para existir, e sim o amor de Pedro por Teresa foi o milionésimo, ou o segundo, ou o primeiro amor à primeira vista. Ambos foram aquele bailarico de Verão, ambos se afastaram um pouco da multidão, ambos estavam sozinhos nesse momento, e os dois cruzaram o olhar um com o outro, e de imediato, não sei se por feitiço inconsequente, se por qualquer inquietude incompreensível dos meandros da complexidade de um olhar, ou se por desígnio de uma qualquer força superior do inexplorado universo à qual vulgarmente chamamos destino, os dois se apaixonaram.

Pedro e Teresa eram de diferentes extractos sociais, tinham diferentes objectivos de vida, os dois eram jovens, mas ela tinha o brilho da inocência e de mil sonhos no olhar, e ele a profundidade da loucura e a calma ânsia do mar revolto no olhar. Mas Pedro apaixonou-se por Teresa, e Teresa apaixonou-se por Pedro, mais que amor platónico, carnal ou pragmático, Pedro e Teresa amavam-se no sentido amar da palavra amar, e neste simples e primitivo sentido de amar, os sorrisos eram cartas de amor, e travar-se-iam de razões com Platão, pois como poderiam os beijos, os toques, os actos e o desejo dos actos ser acusados de macular a pureza de algo que nunca foi puro?,a pureza é substrato inorgânico que não tem por onde arder, e Pedro e Teresa caminhavam descalços sobre as brasas do coração um do outro.

Pedro tornou-se mais responsável por Teresa e Teresa mais irresponsável por Pedro, ele já não faltava às aulas de matemática para fumar e divagar e ela já faltava às aulas de Geometria para estar com ele, ele dizia que lhe doía o coração quando estava junto dela e ela respondia que lhe parava o coração quando estava longe dele, ele escrevia-lhe poesia em letras grandes na areia molhada da praia, que à noite era só deles, e ela salgava-lhe o rosto e desenhava no seu corpo figuras geométricas ou aladas com a areia molhada e depois sugava-lhe o sal, eles depois de se amarem, passavam horas nus e entrelaçados a falar sobre toda a simples complexidade da vida e sobre as certezas que sentiam ter do que ainda não tinham sentido, mas sem nada de facto dizerem, pois naquelas eternas horas, simplesmente sonhavam no olhar e no sorrisos um do outro.

Tempos passaram, e o amor que os movia se mantinha, os pais de ambos sabiam da existência deste amor, mas só Pedro e Teresa sabiam da sua grandeza, só eles viviam o inexplicável e sentiam o incompreensível. Os pais dele, pobres, humildes, ponderados e verdadeiros, consentiam a medo este amor, o pai dela, rico, poderoso, orgulhoso e acima de tudo cego pelo que julgava ser o bem maior da filha, rejeitava e desprezava a medo este amor. Apesar de a família dele temer o poder e cega crueldade do pai dela, e do pai dela temer a insignificância e a pobreza da família dele e sobretudo a escumalha que julgava Pedro ser, ainda faltava provar que o amor que habitava neles pudesse alguma vez ser desalojado.

O pai de Teresa cedo percebeu que não podia combater tal amor, mas bem sabia que por vezes o que não pode ser combatido, pode, embora não sem sofrimento e dor, ser vencido, ele podia facilmente mandar matar Pedro, mas assassino ele não era, podia enclausurar a filha em casa, mas ela continuaria a amar Pedro, podia forçar a filha a ir com ele viver para longe, para tão longe quanto o gelo é distante do sol, mas bem sabia que sua filha depressa fugiria do longínquo gelo para estar com Pedro. Então o pai de Teresa esperou, esperou tempos e tempos que ele errasse, pois de certo modo ele sabia que um dia ele iria errar, e passado tempos e tempos Pedro finalmente errou, por um momento a profunda loucura do hoje, no seu olhar brilhou, e Pedro sem pensar no amanha actuou, foi apanhado a tentar roubar um precioso colar, e foi preso, à muito que o Pai de Teresa, apesar da sua imensa fortuna, a tinha privado dos dispendiosos bens materiais a que sua filha estava habituada, no entanto ela nunca pediu ou sequer insinuou nada a Pedro, nunca mostrou qualquer rancor ou preocupação por isso, mas Pedro sabia-o e Pedro errou.

Enquanto Teresa chorava por Pedro, seu pai atacou, sugeriu-lhe sem a obrigar que se mudassem ambos para bem longe, para onde ele à muito tinha sido convidado para chefiar uma missão, mas à muito adiava a resposta, disse-lhe que era uma oportunidade, que Pedro que a amava sim, mas tinha errado, e por algum tempo iria ficar preso, e que depois de ser libertado poderia voltar a errar, ou ir atrás dela para o bem longe onde ela se encontraria, que ele não se oporia ao seu amor por ela se ele voltasse e lutasse por ela, que seria uma aventura e um teste ao mesmo tempo, que ela precisava de mudar e conhecer novos mundos, que não lhe pedia que fugisse de Pedro, mas sim que desse a si própria uma hipótese de se conhecer noutro sitio, noutras circunstâncias e com outras gentes, que além de amar alguém como ela amava, amasse também o mundo e o desconhecido como ela ansiava amar, oh como ele argumentava, oh como ela cedeu. Movida pelas palavras de seu pai, Teresa parou de chorar, e qual despedida sentimental, sinal de fraqueza, engoliu a dor, esboçou um sorriso ainda sem cor e partiu com seu pai.

Pedro que chorou o seu erro, que chorou não ter tido hipótese de pedir desculpa a Teresa, que chorou todas as tantas noites em que não teve a visita de Teresa, que chorou não saber e sempre ter sabido porque Teresa nunca tinha vindo, e que chorou de saudade na sua última noite na prisão, onde pelo menos tinha uma desculpa e um ultimo reduto onde se esconder, quando finalmente saiu, secaram-lhe as lágrimas, a saudade chegou, e a dor apertou, mas o orgulho venceu e Pedro não cedeu, não mais voltou a amar como tinha amado Teresa, refugiou-se na droga, no álcool, na insana loucura, nas prostitutas de rua, mas a toda a hora ansiava que Teresa, seu amor, voltasse arrependida, buscando seu perdão, mas Teresa nunca voltou, culpou o mundo, choraram seus pais, morreu ainda novo, morreu como escumalha e como a turva sombra do que por tempos foi e para sempre poderia ter sido.

Teresa esperou lá longe por Pedro, durante tempos e tempos chorava à noite para que ele atravessasse o mundo por ela, pois o seu orgulho não a deixava atravessar o mundo em sentido inverso, durante esses mesmos tempos, pouco saia de casa, fechando-se em si mesma e fugindo do mundo e do desconhecido, pelo qual ainda secretamente e sem saber ansiava e lutava, e suas lágrimas também acabaram por secar. Como nunca conseguiria esquecer Pedro, venceu-o fechando secretamente parte do seu coração ao mundo e dessa parte só Pedro alguma vez tinha tido, tinha e teria a chave, mas agora ela era livre de novo, e embora sem mais de novo escrever cartas de amor com o sorriso, voltou a sorrir e sem de novo voltar a amar com um simples olhar, voltou a amar.

Depois de alguns namoros falhados, Teresa acabou por casar com Miguel, não foi amor à primeira vista, mas foi amor, pois o que lhe restava do seu coração, Teresa deu-o a Miguel, e Miguel sabendo do bem que tinha, nunca perdeu a chave. Em toda sua vida, Teresa nunca contou a Miguel que alguma vez tinha existido Pedro, pois apesar dos secretos segredos que seu coração para sempre guardou, ela tanto amor ainda a Miguel reservou. Miguel e Teresa tiveram filhos, constituíram família, sempre se amaram, para sempre sorriram e para sempre amaram os filhos, agora à noite Teresa ainda pensava em Pedro, e por vezes ainda chorava baixinho por ele, mas chorava agora com medo de ele algum dia voltar, pois agora, mais uma vez, ela era feliz, e seu pai sorriu.

Um comentário:

ANNUNCIATA disse...

Só se ama com todo o coração. Não existe um amor pela metade, nem um amor feito de partes...
Mas se Miguel se aninhou nos restos de um amor de Teresa, quer dizer que tinha ele um coração enorme para lhe dar, também ele dera um bocadinho de ar a essa terra...*